A desconfiança em relação aos ativos americanos, aliada à necessidade de se proteger contra a inflação, tem feito com que o ouro se sobressaia neste começo de ano.
Os preços do ouro têm registrado uma alta significativa em meio à recente turbulência no comércio global, fazendo com que investidores busquem ativos mais seguros. Enquanto isso, alternativas como os títulos do Tesouro americano e o dólar enfrentam quedas acentuadas.
De acordo com Vivek Dhar, diretor de pesquisa de commodities de mineração e energia do Commonwealth Bank da Austrália, essa mudança está ligada à nova abordagem da política comercial dos Estados Unidos sob a administração do presidente Donald Trump. Ele afirma que o ouro “preencheu a lacuna” como o ativo de refúgio preferido no mercado.
Dhar destaca que o que torna essa busca por segurança tão peculiar é o fato de que tanto o dólar americano quanto os títulos do Tesouro perderam apelo, resultando em liquidações.
Recentemente, os preços do ouro atingiram recordes impressionantes. Na última terça-feira (22), o metal precioso alcançou a marca de US$ 3,5 mil, e analistas projetam que esse valor pode continuar a subir. O JP Morgan, por exemplo, prevê que o ouro alcance uma média de US$ 3.675 por onça no quarto trimestre de 2025 e chegue a US$ 4 mil no segundo trimestre de 2026.
Em contrapartida, os títulos do Tesouro americano têm enfrentado uma forte desvalorização nas últimas semanas, com o rendimento de 30 anos atingindo seu nível mais alto desde novembro de 2023. Essa relação inversa entre preços e taxas é evidente: quando os preços caem, as taxas aumentam. Além disso, o índice do dólar americano caiu cerca de 8% até agora neste ano, conforme dados da LSEG.
Apesar de o rendimento dos títulos do Tesouro de 30 anos ter registrado um aumento de apenas cerca de 2 pontos-base neste ano, o pico observado uma semana após a implementação das tarifas recíprocas por Trump ultrapassou os 30 pontos-base. O rendimento de referência de 10 anos também subiu na mesma proporção. Em contrapartida, os preços à vista do ouro experimentaram uma alta de 25% até o momento, conforme informações da LSEG.
Embora os rendimentos dos títulos do Tesouro americano de longo prazo tenham diminuído em relação aos níveis elevados alcançados no início deste mês e o dólar tenha apresentado uma leve recuperação após Trump moderar suas declarações sobre a possível demissão do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, a confiança dos investidores nos ativos americanos já foi impactada.
Por que a corrida do ouro?
A relação que historicamente existe entre os rendimentos dos títulos do Tesouro e o ouro parece ter se alterado. Geralmente, quando os rendimentos dos Treasurys aumentam, o ouro se torna menos atrativo devido ao maior custo de oportunidade, já que esse metal precioso não gera juros.
Michael Ryan, professor da Faculdade de Contabilidade, Finanças e Economia da Universidade de Waikato, afirmou que a capacidade do ouro de atuar como proteção contra a inflação é o que o torna “especial”.
É previsto que o aumento das tarifas sobre importações eleve a inflação nos EUA, o que pode resultar em taxas de juros mais altas no futuro. Isso, por sua vez, exerce pressão sobre os títulos do Tesouro, conforme explicou Ryan.
Entretanto, o ouro é tradicionalmente visto como uma forma de proteção contra a inflação, o que pode justificar a crescente preferência por esse ativo. Ryan destacou que as características do ouro que o tornam um “refúgio” em tempos de inflação são o que realmente o tornam “especial”.
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